Entrevista de Charles Gavin no programa "Volta ao Mundo" e uma resenha sobre o livro "O Som do Vinil"
Há algumas semanas, o pessoal da Ímã Editorial entrou em contato propondo uma parceria com o blog De Volta Para o Vinil. Eles tinham recém lançado, em livro e também em um site na internet <www.osomdovinil.org>, uma coletânea de quatro entrevistas completas do projeto "Som do Vinil", realizadas por Charles Gavin no Canal Brasil. O primeiro Kit da coleção contém os quatro livros dos seguintes discos: "Clube da Esquina" de Milton Nascimento, "Quem é Quem" João Donato, "Academia de Danças" de Egberto Gismonti e "Nervos de Aço" de Paulinho da Viola.
Obviamente, não pensei duas vezes antes de topar a parceria, afinal iria fazer uma resenha de livros que falam sobre música, com entrevistas com ícones da MPB, feitos por uma pessoa que tenho o maior respeito e admiração, não só por ser ex-baterista do titãs, mas por seu trabalho como pesquisador: falo do ilustre Charles Gavin.
Além do lançamento do livro, na semana seguinte, fiquei sabendo que Gavin iria vi r para Curitiba, no dia 30 de junho no Patio Batel, para falar um pouco sobre o livro e sobre o programa "O Som do Vinil" no projeto "Volta ao Mundo", da radio Lumen FM. Assim, estava com a faca e o queijo na mão para produzir uma boa resenha: livros em mãos e um bate-papo com o próprio autor.
Pois bem, primeiro vou descrever um pouco como foi o encontro com Charles Gavin e, na sequência, falarei um pouco a respeito do livro. Prometo não me estender muito, já que o assunto é deveras instigante e abrangente, afinal o objetivo da resenha é dar um prévia do excelente conteúdo presente nessa primeira coleção.
A primeira pergunta da entrevistadora já abriu um precedente muito interessante para quem adquiriu a primeira coleção dos livros: “[...] O que esses quatro livros tem em comum para você resolver lançar nesse formato? [...]”.
Nas palavras do próprio Gavin: “Pensei que seria interessante recuperar essas entrevistas, que são da primeira temporada do programa... e parte de uma grande vontade minha e de outras pessoas que trabalham nesse programa, de compartilhar todo esse acervo que está sendo feito...está sendo construído ao longo dessas nove temporadas. O acervo é formado por entrevistas do programa, no qual a gente escolhe um disco por episódio e, para quem é familiarizado com o programa obviamente, um disco que seja relevante e bate um papo sobre aquele disco com o artista em questão. Na verdade não tem muita música no programa, a gente fala sobre música. O programa tem 25 minutos, acho muito pouco para falar sobre um disco como “Nervos de Aço” do Paulinho da Viola [...] Nós tínhamos as entrevistas na íntegra com muita história que ficava de fora e eu sempre fiquei muito angustiado com essa história desde o começo. Esse imenso conhecimento que estava sendo ali guardado e inacessível... temos que fazer alguma coisa pra liberar o acesso a tudo isso que a gente vem fazendo ao longo dos anos.[...] Resgatamos entrevistas na íntegra e levamos para o site, está lá de graça, você pode ler. Ali você vai saber coisas que você não viu nos episódios. Para começar eu achei que seria muito interessante pegar esse primeiro lote da primeira temporada, que são quatro artistas e quatro discos lançados pelo lendário selo Odeon. Esses quatro discos tem algumas semelhanças: eles falam sobre uma época da indústria fonográfica brasileira. São projetos que a princípio, nenhum deles daria certo [...] São álbuns renegados e que a gravadora primeiramente recusou.
Na mesma resposta ele ainda acrescenta: "Nosso compromisso é de passar de quatro... nosso compromisso com o projeto é de chegar no mínimo a 16 e eu acredito que a gente consiga viabilizar financeiramente até 30 livros.[...]"
Na sequência Gavin falou um pouco sobre sua história com a música e como ele virou pesquisador da música brasileira: "Meu primeiro contato com a música foi por meio das reuniões com amigos para ouvir discos. Também com os festivais semestrais que tinham na escola...eu vi as pessoas tocarem e ouvia música nos finais de semana. Por isso eu sou músico, por isso sou uma pessoa que pesquisa e ama música e vivo para isso"
Falou também, um pouco sobre a transição entre a saída do Titãs e o papel de pesquisador da música e também sobre a dificuldade de encontrar alguns títulos no mercado fonográfico: "Visitei muito sebo em todo Brasil, durante minhas excursões com a banda e foi caindo a ficha de que o seguinte... conversando com colecionadores do Brasil inteiro fui vendo que muito do que estava procurando não estava disponível. Discos de samba-jazz, álbuns que passaram a se tornar cada vez mais raros, alguns na mãos de colecionadores que vendiam por um preço absurdo. Comecei a ficar um pouco irritado e inconformado com essa cena e depois disso descobri que grande parte do que eu procurava havia sido lançado em CD no Japão. O mercado japonês tem essa característica em relação ao resto do mundo. No Japão você lança tudo que nos outros países não lançou, ficou fora de catálogo ou desapareceu. É cultural do mercado japonês. Então eu me peguei nessa situação, de viajar para fora do país, de férias ou fazendo algum show, tendo acesso a loja de discos do planeta. Londres, Nova York, Paris, e pegar ali discos brasileiros que aqui não existiam mais, os gringos já tinham levado. Alguns deles tinham sido pirateados na Rússia. Essa situação me irritou de uma forma que caiu a ficha e assim eu pensei, lá na segunda metade dos anos 90, eu podia usar o nome dos Titãs e toda influência política da banda, dentro da nossa gravadora, para tirar esses discos do acervo. Pois esses discos existem, só ainda não tinha sido disponibilizado, não foi relançado. Então eu usei mesmo o nome do Titãs, fui falar com o presidente da gravadora, nós sempre tivemos muito prestígio junto a Warner para lançar esses projetos. Não foi fácil no começo, eu queria fazer um projeto de bossa nova em 97. Eles estranhavam, isso não tem viabilidade comercial você não tem outro projeto? Sim, esse que salvou, o primeiro projeto foi com os dois primeiros álbuns dos Secos e Molhados, que foi a grande sorte que eu tive, foi o que mais vendeu até hoje. Fiz algo que eu já vi acontecer no exterior e cobrando um preço que qualquer um pode pagar [...]"
Comentou sobre algumas histórias que ouviu no Canal Brasil e fez a seguinte afirmação a respeito do programa: "O que me fascina e o que é bom de trabalhar no Canal Brasil, é que você tem liberdade artística. Não há censura, não há pressão sobre hipótese alguma, você faz aquilo que está querendo fazer. O Som do Vinil é um programa que aposta da diversidade da música brasileira, sem nenhuma restrição e nenhum preconceito, ou seja, é de Villa Lobos à Milionário e José Rico...isso é música brasileira, não só a música que eu gosto ou o que o pessoal do canal gosta [...]"
No final, falou um pouco sobre o relançamento de alguns títulos e o futuro da indústria fonográfica: "[...] relançar um disco não é uma tarefa muito fácil. No mundo em que vivemos o disco não vende quase nada como já falamos aqui. A industria fonográfica praticamente implodiu e vem sendo destruída. Todos os recursos que existem...não tem mais dinheiro para muita gente infelizmente. Relançamentos em vinil ou em qualquer outro formato dependem da gravadora querer e aí eu te pergunto na situação que a gente vive, vendendo tão pouco disco, seria viável?[...] As novas gerações estão sendo criadas com um conceito: eles podem ouvir no celular e está tudo certo, isso bom? É uma discussão, você criar o seu filho com essa cabeça? Música a gente pode ouvir de qualquer jeito, no celular com qualquer fone. Eu acho que não, também pode, mas não só assim. No mercado em que o foco é o resultado imediato, nós somos imediatistas, fica muito difícil fazer um projeto como esses que eu fiz. As pessoas me cobram 'mas você nunca fez mais nada?', mas não foi nem por falta de vontade nem de tentativa. É porque simplesmente os donos desse acervos não querem. [...]
Eu vejo que a única alternativa para tentar recuperar tudo isso que foi feito, para não cair de novo no esquecimento, é o Streming, eu aposto nisso. Algumas coisas tem e outras não, falta muita coisa, mas é só o começo. Eu acredito muito no Streming porque é uma coisa que vai crescer e não tem volta. E para aqueles caras como você e eu que gostam dessa experiência do vinil, de colocar, tem paciência... muita gente associa o vinil ao ato de tomar um vinho e eu entendo. É um clima, você na sua casa tomando um vinho, calmo, não tem pressa. Isso é uma experiência, nos dias de hoje, praticamente é uma experiência.
Então para pessoas como nós, ficamos torcendo para que a Polysom que é única fábrica de vinil do Brasil, relance periodicamente esse material. Depende deles também,eles pedem capa para mim, eu empresto, pendem opinião, eu dou, mas basicamente depende da Polysom.[...]
Eu tenho batido numa tecla: o ensino de música é obrigatório em escola, mas as escolas não sabem o que ensinar, não sabem nem como ensinar ou o que fazer.[...] Existiu um projeto de música no Brasil nos anos 40 e 50, do Villa Lobos, ele defendia que a cultura brasileira e a música brasileira é a identidade do povo que conhece e se reconhece naquilo. Por isso a gente não pode perder o elo com isso. Ele montou um projeto de música nas escolas que existiu e depois foi abandonado. Hoje as escolas não cumprem isso e eu acho extremamente importante que os pais se interessem por essa questão. Não pro cara virar músico ou musicista, cantor ou cantora, baterista, é porque com a música que nós temos é obrigatório saber quem foi o Tom Jobim, como a obra nasceu, saber que foi Paulinho da Viola, entender e aprender a gostar daquilo. Música clássica por exemplo, você só aprende a gostar escutando, difícil sair do zero. Então eu acredito que o ensino da música brasileira deveria ser algo estratégico para as novas gerações, para que não cresçam apenas achando que Byonce é que legal, que Lady Gaga que não tenho nada contra, é legal e só ouvir música americana porque é isso que está acontecendo. Existem estatísticas dizendo que talvez, pela primeira vez, se ouve mais músicas estrangeira nas rádios brasileiras. Sempre foi ao contrário, sempre se ouviu mais música brasileira nas rádios em geral.[...]
Tem que voltar a música para escola de um jeito inteligente, não só a partitura e deixar aquela coisa massante, mas ensinar música como matéria que faz parte da nossa formação cultural e não só música brasileira, não é só Tom Jobim, ma sim quem foi Bethoven, Mozart, Piazola e por aí vai [...]."
Essa foi um parte da entrevista com Charles Gavin realizado no Pátio Batel. Depois ele conversou um pouco com os espectadores e distribuiu alguns autógrafos.
Confira mais fotos do evento na página na Lumen FM.
Agora, num segundo momento, vou comentar um pouco a respeito da primeira parte da coleção do "O Som do Vinil". Primeiro vou explicar, com as próprias palavras de Charles Gavin, a idealização do projeto: "Em uma conversa com Geneton Moares Neto eu disse que há muito tempo vinha pensando em montar um banco de dados na internet, onde seria possível compartilhar o conteúdo das entrevistas de "O som do Vinil [...] Desde que acervo começou a ser produzido, em 2007, o acervo foi ganhando valor inestimável, fruto da generosa colaboração dos convidados que revelam histórias sobre suas canções, seus discos e suas carreiras, recompondo nossa história capítulo a capítulo [...]". Nesse ínterim, Geneton aconselhou Gavin: "você tem que colocar isso em livro também. Pense que, daqui há décadas ou séculos, os livros ainda estarão presentes. Eles sobreviverão, seja qual for a mídia utilizada. [...]"
Concordo plenamente com posição de Geneton e, na na minha humilde opinião, o livro tem com a literatura tem a mesma relação da música com o vinil. Apesar dos serviços de Streaming serem o futuro da música digital, acredito que álbum só está eternizado se estiver vinil. Da mesa forma que as entrevistas divulgadas na internet só serão eternizadas se tiverem o formato de livro. Além disso, posso dizer com um certa experiência, que a mídia física muito mais aprazível do que a mídia digital, seja no ramo da música ou literatura.
Outro fator interessante abordado no início do livro é a importância desse acervo como bem coloca Paulo Mendonça: "O Som do Vinil é mais do que um patrimônio, se constitui hoje num verdadeiro tesouro para todos aqueles que de alguma forma queiram revisitar uma parte já significativa da história da música brasileira". O projeto em livro de "O Som do Vinil" não ficará somente em uma coleção, como bem disse Gavin, ele pretende lançar ainda pelo menos 16 livros com outras entrevistas. As entrevistas contidas nessa primeira coleção, buscam uma ponte entre a memória individual e memória coletiva, dando espaço para que o entrevistado fale sobre suas experiências e sentimentos e é justamente a partir dos relatos que se constrói a dinâmica de leitura do livro. A transcrição literal do diálogo deixou a leitura mais fácil e fluída, fazendo com que o leitor viaje nas memórias do entrevistado e consiga entender o contexto histórico em que o disco foi lançando.
Percebemos isso já na primeira entrevista a respeito do álbum "Academia de Danças" (1974), em que o autor Egberto Gismonti fala das confusões causadas pelo título: "A que horas chegam os bailarinos?", perguntaram certa vez quando eles chegaram para um show". Também comenta a dificuldade em lançar o álbum: "esse disco é muito difícil e só vai ser lançado mesmo, porque custou caro demais".
"Academia de Danças" é o trabalho mais progressivo na extensa discografia de Egberto Gismonti. Maestro, multi-instrumentista e arranjador, Egberto nunca teve o reconhecimento do público e da imprensa especializada em nosso pais. Claro que inúmeros dos seus trabalhos, são demais complexos para ouvintes que esperam uma musica convencional, sem experimentalismo, como nas faixas "Conforme Altura do Sol e da Lua". Nas palavras do próprio Gismonti; "Já gosto tanto de música e a música é tão benevolente comigo, e eu não tenho responsabilidade nenhuma de fazer nada que seja obra, eu tenho responsabilidade de fazer tudo que eu possa fazer. Eu tenho que experimentar coisas [...]"
Egberto é extremamente virtuoso e possui composições cuja linha melódica é rebuscada e dissonante. "Academia de Danças" é sem dúvida, um dos mais complexos discos de progressivo já gravado no Brasil, pois extrapola todas as influencias que naturalmente ocorriam nesta época, nos grupos de progressivo das terras brasileiras, sendo um exemplo de originalidade musical.
Na segunda entrevista, temos Lô Borges contanto um pouco das histórias que permearam o lançamento do clássico "Clube da Esquina", de 1972, em sua parceria com Milton Nascimento. Na verdade o Clube da Esquina surgiu da grande amizade entre Milton Nascimento e os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô) no bairro de Santa Tereza, Belo Horizonte, em 1963. Milton compunha e tocava com os amigos, despontava o talento, pondo o pé na estrada e na fama ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira e ao ter uma de suas composições, "Canção do sal", gravada pela então novata Elis Regina. Com influência sonoras das odisseias dos mineiros, o disco "Clube da Esquina", de 1972, queria mudar o mundo, inseminado por jovens que cresceram em uma Minas Gerais com explosão de inventividade musical. Um álbum duplo, colaborativo, trazendo um cantor/compositor consagrado e um jovem guitarrista, cantor e compositor de 19 anos, ambos à frente de um grupo de músicos do mais alto nível. Milton Nascimento e Lô Borges conseguiram sintetizar vivências, sentimentos, crítica política, influências com um conjunto de detalhes e nuances que só poderiam existir neste tempo e lugar.
Para falar de "Clube da Esquina" precisaria de pesquisa e um conhecimento musical bem aprofundado e isso você encontra certamente nessa segunda entrevista de Gavin com o próprio Lô Borges.
A terceira entrevista escolhida foi com o Paulinho da Viola, falando acerca do álbum "Nervos de Aço", de 1973. "Nervos de Aço" traz na capa um desenho de Paulinho com flores na mão e chorando ao luar. Tudo isso porque o sambista passava por maus momentos e acabava de sair de uma separação com sua primeira mulher, fato interferiu e muito na composição do álbum. “Sentimentos em meu peito eu tenho demais / A alegria que eu tinha nunca mais..” é a primeira frase que você ouve quando coloca o disco para rodar. Logo em seguida, “Comprimido” narra a triste história de um suicídio." Só no paragrafo acima e em apenas duas músicas, é notável o quanto “Nervos de Aço” é pesado e melancólico. Apesar de o próprio Paulinho afirmar no livro: "Eu acho que em todas as faixas a gente percebe que existe uma preocupação: fazer um trabalho que fosse despojado de uma coisa mais pesada, de muito instrumental, de muita percussão. Ele tem uma leveza exatamente por isso. É um disco um pouco triste, mas acho que ele tem elementos que a gente procurava, tentando trazer alguma coisa diferente".
Não tem como negar o quanto a própria música “Nervos de Aço” de Lupicínio Rodrigues e “Não quero mais amar a ninguém” são tristes, mas o instrumental das músicas nunca deixará o peso de suas letras transparecer de uma forma totalmente melancólica. E é com essa elegância que Paulinho distrai a sua tristeza num samba e assim lança um dos álbuns mais bonitos e marcantes de sua carreira.
A quarta e última entrevista escolhida para essa publicação, foi com o polêmico, indirigível e brilhante João Donato e também com Marcos Valle, falando um pouco sobre o raro disco "Quem é Quem", também de 1973.
Depois de viver uma longa temporada nos Estados Unidos - e já com os discos Bad Donato e Donato/Deodato na bagagem -, João Donato resolveu voltar ao Brasil no começo da década de 1970, com a intenção de gravar um disco “brasileiro”. Com a produção de Marcos Valle, gravou "Quem é Quem", o primeiro em que ele apareceria cantando suas próprias composições. Mas apesar de ter conseguido uma gravadora que editasse o trabalho, veio a surpresa: depois de Donato finalizar o disco, a gravadora se recusou a lançá-lo. O músico não teve dúvidas: juntou uma pilha de LPs, convidou a imprensa e, diante da igreja Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, literalmente lançou os discos para o céu. Esta história já é bem conhecida e é uma das acompanham a longa carreira do virtuoso músico nascido em Rio Branco (Acre), em 1934. Essa e outras histórias sobre esse famigerado disco estão presente no livro e segundo Marcos Valle: "Ficou um disco bonito, eu fiquei super feliz e te digo mais, tive um prêmio depois disso. Fora o prêmio de fazer o Donato ficar no Brasil, isso me dá uma alegria muito grande, Só que voltei aos Estados Unidos, em 1975, e encontrei Tom Jobim. Quando entrei na casa de Tom, a primeira coisa que ele fez, abraçado e chorando, foi dizer: 'eu quero te agradecer pelo disco que você fez com Donato. Muito obrigado pelo que você fez por ele' ".
Eu poderia falar muito mais a respeito dessas obras primas da MPB, mas vou deixar esse gostinho de quero mais para você leitor e amante da boa música.
Adquirira essa primorosa e distinta coleção de entrevistas do projeto "Som do Vinil". Um trabalho do exímio pesquisador, compositor e musico Charles Gavin, com um projeto gráfico impecável e cativante da Ímã Editorial.
Aproveito para fazer um agradecimento especial ao Jackson Jacques e ao Julio Silveira da Ímã Editorial pela oportunidade de escrever essa resenha e também por terem escolhido o De Volta Para o Vinil para uma parceria. Também agradeço a Lumen FM e ao fotógrafo Vitor Rodrigues por permitir o uso de algumas fotos para essa postagem.
Para adquirir o livro acesse o site da Ímã Editorial.
Para assistir o programa Som do Vinil acesse: http://canalbrasil.globo.com/programas/o-som-do-vinil/
Para ficar por dentro das novidades do Som do Vinil curta a página: https://www.facebook.com/osomdovinil
Obviamente, não pensei duas vezes antes de topar a parceria, afinal iria fazer uma resenha de livros que falam sobre música, com entrevistas com ícones da MPB, feitos por uma pessoa que tenho o maior respeito e admiração, não só por ser ex-baterista do titãs, mas por seu trabalho como pesquisador: falo do ilustre Charles Gavin.
Foto: De Volta Para o Vinil |
Pois bem, primeiro vou descrever um pouco como foi o encontro com Charles Gavin e, na sequência, falarei um pouco a respeito do livro. Prometo não me estender muito, já que o assunto é deveras instigante e abrangente, afinal o objetivo da resenha é dar um prévia do excelente conteúdo presente nessa primeira coleção.
A primeira pergunta da entrevistadora já abriu um precedente muito interessante para quem adquiriu a primeira coleção dos livros: “[...] O que esses quatro livros tem em comum para você resolver lançar nesse formato? [...]”.
Foto: De Volta Para o Vinil |
Na mesma resposta ele ainda acrescenta: "Nosso compromisso é de passar de quatro... nosso compromisso com o projeto é de chegar no mínimo a 16 e eu acredito que a gente consiga viabilizar financeiramente até 30 livros.[...]"
Na sequência Gavin falou um pouco sobre sua história com a música e como ele virou pesquisador da música brasileira: "Meu primeiro contato com a música foi por meio das reuniões com amigos para ouvir discos. Também com os festivais semestrais que tinham na escola...eu vi as pessoas tocarem e ouvia música nos finais de semana. Por isso eu sou músico, por isso sou uma pessoa que pesquisa e ama música e vivo para isso"
Foto: Victor Rodrigues - Lumen FM |
Fotos: Victor Rodrigues - Lumen FM |
Foto: Victor Rodrigues - Lumen FM |
Foto: Victor Rodrigues - Lumen FM |
Então para pessoas como nós, ficamos torcendo para que a Polysom que é única fábrica de vinil do Brasil, relance periodicamente esse material. Depende deles também,eles pedem capa para mim, eu empresto, pendem opinião, eu dou, mas basicamente depende da Polysom.[...]
Eu tenho batido numa tecla: o ensino de música é obrigatório em escola, mas as escolas não sabem o que ensinar, não sabem nem como ensinar ou o que fazer.[...] Existiu um projeto de música no Brasil nos anos 40 e 50, do Villa Lobos, ele defendia que a cultura brasileira e a música brasileira é a identidade do povo que conhece e se reconhece naquilo. Por isso a gente não pode perder o elo com isso. Ele montou um projeto de música nas escolas que existiu e depois foi abandonado. Hoje as escolas não cumprem isso e eu acho extremamente importante que os pais se interessem por essa questão. Não pro cara virar músico ou musicista, cantor ou cantora, baterista, é porque com a música que nós temos é obrigatório saber quem foi o Tom Jobim, como a obra nasceu, saber que foi Paulinho da Viola, entender e aprender a gostar daquilo. Música clássica por exemplo, você só aprende a gostar escutando, difícil sair do zero. Então eu acredito que o ensino da música brasileira deveria ser algo estratégico para as novas gerações, para que não cresçam apenas achando que Byonce é que legal, que Lady Gaga que não tenho nada contra, é legal e só ouvir música americana porque é isso que está acontecendo. Existem estatísticas dizendo que talvez, pela primeira vez, se ouve mais músicas estrangeira nas rádios brasileiras. Sempre foi ao contrário, sempre se ouviu mais música brasileira nas rádios em geral.[...]
Tem que voltar a música para escola de um jeito inteligente, não só a partitura e deixar aquela coisa massante, mas ensinar música como matéria que faz parte da nossa formação cultural e não só música brasileira, não é só Tom Jobim, ma sim quem foi Bethoven, Mozart, Piazola e por aí vai [...]."
Essa foi um parte da entrevista com Charles Gavin realizado no Pátio Batel. Depois ele conversou um pouco com os espectadores e distribuiu alguns autógrafos.
Fotos: De Volta Para o Vinil |
Foto: Victor Rodrigues - Lumen FM |
Foto: De Volta Para o Vinil |
Foto: De Volta Para o Vinil |
Agora, num segundo momento, vou comentar um pouco a respeito da primeira parte da coleção do "O Som do Vinil". Primeiro vou explicar, com as próprias palavras de Charles Gavin, a idealização do projeto: "Em uma conversa com Geneton Moares Neto eu disse que há muito tempo vinha pensando em montar um banco de dados na internet, onde seria possível compartilhar o conteúdo das entrevistas de "O som do Vinil [...] Desde que acervo começou a ser produzido, em 2007, o acervo foi ganhando valor inestimável, fruto da generosa colaboração dos convidados que revelam histórias sobre suas canções, seus discos e suas carreiras, recompondo nossa história capítulo a capítulo [...]". Nesse ínterim, Geneton aconselhou Gavin: "você tem que colocar isso em livro também. Pense que, daqui há décadas ou séculos, os livros ainda estarão presentes. Eles sobreviverão, seja qual for a mídia utilizada. [...]"
Concordo plenamente com posição de Geneton e, na na minha humilde opinião, o livro tem com a literatura tem a mesma relação da música com o vinil. Apesar dos serviços de Streaming serem o futuro da música digital, acredito que álbum só está eternizado se estiver vinil. Da mesa forma que as entrevistas divulgadas na internet só serão eternizadas se tiverem o formato de livro. Além disso, posso dizer com um certa experiência, que a mídia física muito mais aprazível do que a mídia digital, seja no ramo da música ou literatura.
Foto: De Volta Para o Vinil |
Percebemos isso já na primeira entrevista a respeito do álbum "Academia de Danças" (1974), em que o autor Egberto Gismonti fala das confusões causadas pelo título: "A que horas chegam os bailarinos?", perguntaram certa vez quando eles chegaram para um show". Também comenta a dificuldade em lançar o álbum: "esse disco é muito difícil e só vai ser lançado mesmo, porque custou caro demais".
"Academia de Danças" é o trabalho mais progressivo na extensa discografia de Egberto Gismonti. Maestro, multi-instrumentista e arranjador, Egberto nunca teve o reconhecimento do público e da imprensa especializada em nosso pais. Claro que inúmeros dos seus trabalhos, são demais complexos para ouvintes que esperam uma musica convencional, sem experimentalismo, como nas faixas "Conforme Altura do Sol e da Lua". Nas palavras do próprio Gismonti; "Já gosto tanto de música e a música é tão benevolente comigo, e eu não tenho responsabilidade nenhuma de fazer nada que seja obra, eu tenho responsabilidade de fazer tudo que eu possa fazer. Eu tenho que experimentar coisas [...]"
Egberto é extremamente virtuoso e possui composições cuja linha melódica é rebuscada e dissonante. "Academia de Danças" é sem dúvida, um dos mais complexos discos de progressivo já gravado no Brasil, pois extrapola todas as influencias que naturalmente ocorriam nesta época, nos grupos de progressivo das terras brasileiras, sendo um exemplo de originalidade musical.
Foto: De Volta Para o Vinil |
Para falar de "Clube da Esquina" precisaria de pesquisa e um conhecimento musical bem aprofundado e isso você encontra certamente nessa segunda entrevista de Gavin com o próprio Lô Borges.
A terceira entrevista escolhida foi com o Paulinho da Viola, falando acerca do álbum "Nervos de Aço", de 1973. "Nervos de Aço" traz na capa um desenho de Paulinho com flores na mão e chorando ao luar. Tudo isso porque o sambista passava por maus momentos e acabava de sair de uma separação com sua primeira mulher, fato interferiu e muito na composição do álbum. “Sentimentos em meu peito eu tenho demais / A alegria que eu tinha nunca mais..” é a primeira frase que você ouve quando coloca o disco para rodar. Logo em seguida, “Comprimido” narra a triste história de um suicídio." Só no paragrafo acima e em apenas duas músicas, é notável o quanto “Nervos de Aço” é pesado e melancólico. Apesar de o próprio Paulinho afirmar no livro: "Eu acho que em todas as faixas a gente percebe que existe uma preocupação: fazer um trabalho que fosse despojado de uma coisa mais pesada, de muito instrumental, de muita percussão. Ele tem uma leveza exatamente por isso. É um disco um pouco triste, mas acho que ele tem elementos que a gente procurava, tentando trazer alguma coisa diferente".
Não tem como negar o quanto a própria música “Nervos de Aço” de Lupicínio Rodrigues e “Não quero mais amar a ninguém” são tristes, mas o instrumental das músicas nunca deixará o peso de suas letras transparecer de uma forma totalmente melancólica. E é com essa elegância que Paulinho distrai a sua tristeza num samba e assim lança um dos álbuns mais bonitos e marcantes de sua carreira.
A quarta e última entrevista escolhida para essa publicação, foi com o polêmico, indirigível e brilhante João Donato e também com Marcos Valle, falando um pouco sobre o raro disco "Quem é Quem", também de 1973.
Depois de viver uma longa temporada nos Estados Unidos - e já com os discos Bad Donato e Donato/Deodato na bagagem -, João Donato resolveu voltar ao Brasil no começo da década de 1970, com a intenção de gravar um disco “brasileiro”. Com a produção de Marcos Valle, gravou "Quem é Quem", o primeiro em que ele apareceria cantando suas próprias composições. Mas apesar de ter conseguido uma gravadora que editasse o trabalho, veio a surpresa: depois de Donato finalizar o disco, a gravadora se recusou a lançá-lo. O músico não teve dúvidas: juntou uma pilha de LPs, convidou a imprensa e, diante da igreja Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, literalmente lançou os discos para o céu. Esta história já é bem conhecida e é uma das acompanham a longa carreira do virtuoso músico nascido em Rio Branco (Acre), em 1934. Essa e outras histórias sobre esse famigerado disco estão presente no livro e segundo Marcos Valle: "Ficou um disco bonito, eu fiquei super feliz e te digo mais, tive um prêmio depois disso. Fora o prêmio de fazer o Donato ficar no Brasil, isso me dá uma alegria muito grande, Só que voltei aos Estados Unidos, em 1975, e encontrei Tom Jobim. Quando entrei na casa de Tom, a primeira coisa que ele fez, abraçado e chorando, foi dizer: 'eu quero te agradecer pelo disco que você fez com Donato. Muito obrigado pelo que você fez por ele' ".
Eu poderia falar muito mais a respeito dessas obras primas da MPB, mas vou deixar esse gostinho de quero mais para você leitor e amante da boa música.
Adquirira essa primorosa e distinta coleção de entrevistas do projeto "Som do Vinil". Um trabalho do exímio pesquisador, compositor e musico Charles Gavin, com um projeto gráfico impecável e cativante da Ímã Editorial.
Aproveito para fazer um agradecimento especial ao Jackson Jacques e ao Julio Silveira da Ímã Editorial pela oportunidade de escrever essa resenha e também por terem escolhido o De Volta Para o Vinil para uma parceria. Também agradeço a Lumen FM e ao fotógrafo Vitor Rodrigues por permitir o uso de algumas fotos para essa postagem.
Para adquirir o livro acesse o site da Ímã Editorial.
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